Com o passar do tempo e da idade - porque a idade serve para acumular, para além das rugas, lembranças, que não são mais do que pregas cerebrais e, ambas, quando associadas, transformam-nos num livro de histórias 3D - sentimos necessidade de dispender alguns dos nossos minutos quotidianos a recordar. Eu chamo-lhe “tempo de qualidade”, porque me faço embuír das memórias mais saudáveis e saudosas da minha infância. Sou filha dos 80. E orgulhosa. Redio isto sem me cansar. Aliás, redigo-me. É verdade, este poderá ser outro precoce sinal do passar do tempo – a repetição. Surpreendo-me amiúde a fazê-lo. No entanto, como tenho alguma facilidade em arranjar-me desculpas, volto aos eighties, à minha década progenitora, e aproveito-me descaradamente dela: são ou não são os anos do excesso, do “mais é mais”? Então, o meu vício de repetição é fruto disso. É um erro de formação social, resultado do meio e do ambiente cultural em que cresci.
Há uns dias, explicava a um tardio descendente dos 90, o fenómeno "bola de espelhos". Sim, aquela esfera reflexiva, esse grande ícone da minha década . "Hmmm não sei.... bola de espelhos? Não sei." Num misto de indignação e revolta, arranquei uma folha do meu fiel caderninho de apontamentos - falta de memória, outra característica da idade... preciso dele... esqueço-me de tudo e... esqueçam as agendas electrónicas, sou filha dos 80! Bolas (!) - aqui não necessariamente as de espelhos, apenas em modo de interjeição. Apliquei então os meus dotes Andy Warhol - pop art, muito 80, claro! - e pronto, voilá, ali estava ela, a mítica. "Hmmm, não sei o que é... não estou a ver...". Calma, eu nunca tive muitos méritos de artes plásticas, podia aproximar-me do Andy através da música e chegar à famosa esfera que pendia do tecto de qualquer espaço nocturno digno do nome, por isso peguei no computador, pesquisei disco sound, e a rebentar de orgulho mostrei-lhe. Que “já tinha visto em algum lado”, mas, "se estás aí no youtube, aproveito para mostrar não-sei-o-quê-de-não-sei-quem do hip-hop"...
Quase me enfureci. Eu queria cobrir-me de excessos cromáticos, pintar-me de pop art, fazer-me yuppie, jogar ao iô-iô e usar casacos de chumaços nos ombros. Eu queria dançar disco sound debaixo de uma bola de espelhos e partilhar a minha década., posso?
New Order - Blue Monday
4 comentários:
A tua década é a minha década.
Early 80's! E foi a última "decente". Depois da nossa, tudo foi sendo,gradualmente, desvirtuado.
Agora, esticamos os cabelos.Temos horror ao volume das gigantescas ondulações da nossa infância.
Agora, vestimos casacos (sem chumaços) do nosso tamanho, ou, ainda melhor, um número abaixo para ficar mesmo justinho, e já não dois ou três números acima, como dantes.
Agora, conjugamos os acessórios com a roupa, quando temos tempo para acessórios. La atrás, "o máximo" era pôr tudo o que houvesse em casa (nosso, da mãe, das irmãs), qual árvore de Natal.
Agora, ouvimos diariamente novos "hits sensação", provenientes dos quatro cantos do mundo (mas em especial de um...nos EUA produz-se...!). Nos saudosos 80's, um sucesso chegava a Portugal alguns meses depois de chegar ao resto do mundo, inclusivé ao resto da Europa civilizada, e mantinha-se nos tops,sozinho, outros tantos meses (fosse muito bom, ou nem por isso... era o único!), até já cerca de 100% da população musicalmente instruida não conseguir ouvi-lo nem mais uma vez.
Agora... É tudo diferente.
Beijo meu, e, claro, da Baby ;)
Mudei o título. Os 80 são também teus. São teus no BI, mas são teus porque os sentes como eu - a última década decente! A dos hits que chegavam tardiamente a portugal, e nos chegavam aos ouvidos pela mão de alguma prima mais velha, gravados numa cassete que regravávamos e passávamos às amigas. E que ficavam semanas nos tops, e trauteávamos sem parar e faziamos "stop" e "pause" para decifrar a letra e escrever num papel, porque não havia internet para escrevermos "lyrics".
Lembras-te? :)
E os acessórios eram sempre poucos!Assim como os volumes. Balão nas calças e nas saias. E nas mangas! Silhuetas balão na roupa e nas cabeças, consequentemente, nos egos! Éramos volumosamente felizes!
Guardarei tudo isto para contar à Baby. Imagino-a muito feminina e vaidosa, a pentear-se junto do espelho e a esticar o vestido. A verificar metodicamente a combinação sapatos - gancho do cabelo - casaco, antes de sair de casa, e a perguntar-me: "Estou bem?" E eu vou contar-lhe: "Quando eu e a mãe éramos da tua idade, sabes o que se usava?" Então pego-lhe na mãozinha pequenina e saímos a rir e ela a dizer indignada: "Mas grandes grandes mesmo? E misturavam isso tudo?"
A tua Baby já é uma parte. A tua Baby já está aqui diariamente - nas conversas, nos dias, nos momentos e até nas recordações. Só falta pegar ao colo e, um dia, na mãozinha pequenina :)
Um beijinho grande para ti e para a Baby
P.S. A Baby lê-me. Tu e a Baby continuam a ler-me, e sabes o que isso me provoca não sabes?
P.P.S. As tuas palavras são tão boas de ler... é feio ter uma certa inveja saudável de uma amiga, "a amiga", e ainda por cima se ela estiver de esperanças? Isso garante-me um lugar no inferno? ;)
os concursos de resolução de cubos mágicos também foram um grande marco dos anos 80.
Obrigada pelos 80 serem, agora, também meus. És uma querida.
E lembras-te ONDE é que escreviamos as letras daqueles hits famosos??? Nas, não menos famosas, "folhinhas" :))))) que religiosamente coleccionávamos, e às vezes, se o negócio nos parecia bom, trocavamos! E volta e meia aparecia uma com cheirinho, era tããão bom:). Hoje, se encontrarmos alguma dessas no fundo de uma gaveta, perdida, esquecida, somos imediatamente transportadas aos 80's. São bocadinhos do passado.
Beijinho meu e da Baby.
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