O espaço dos relacionamentos homem-mulher é uma arena de festa brava: olham-se, avaliam-se, provocam-se... para, finalmente, se engalfinharem. A não correr bem, cravam-se bandarilhas sem dó nem piedade.
Em final de lide, o/a desgraçado/a acaba por recompor-se - "ninguém morre de amor" - não se pode, é ilegal; senti-lo está em desuso, não há lugar para estas tradições, atentam contra os direitos emocionais e, mesmo que entre uma pega e outra se conte uma investida certeira, são cada vez menos os sortudos a sair da praça em braços, sob merecida ovação. No espectáculo do amor já não se atiram cravos nem rosas vermelhas, agora está muito mais para pegas sem grandes rodeios, assim, de caras.
Dois passinhos em frente, quatro para trás, de risco nada arriscado com tudo sempre bem calculado - e percebo agora o porquê de apenas homens forcados - não é virilidade nem masculidade, sequer coragem, é a arte de retroceder, está-lhes no Y.
Ainda assim, chega uma altura que estes senhores perdem a noção... e investem sem qualquer critério. Querem lenços a acenar das bancadas, querem plateia de pé e coração ao rubro, para depois, qual toiro de raça, focalizarem impiedosos o alvo e dispararem desenfreados, directos à gloriosa estocada final.
Sapataria. Entrei e dei bom dia. Estava vazia numa quinta feira pelas 11 da manhã. Lá dentro uma senhora de meia idade experimentava muitos pares enquanto uma funcionária segurava caixas. No corredor mais próximo um rapaz de aproximadamente 30 e mãos atrás das costas deu-me um caloroso bom dia. Retribuí. Deambulei pelas filas ordenadas enquanto o tal jovem me seguia e, sempre que eu me detinha na frente de alguma prateleira, ele atirava: "Gostas destas?"
Na verdade não gosto que me tratem por tu nem que me persigam nas lojas, mas pensei que talvez trabalhasse ali há pouco tempo e estivesse, então, a ser demasiado solícito. Por isso, na maior boa vontade, forçava um meio sorriso e dizia: "Não é bem isso que quero, obrigada." A coisa continuou assim uns bons 10 minutos, até que ele sugeriu que subisse ao primeiro andar, onde havia maior variedade. Agradeci e subi e, como é óbvio, ele acompanhou-me. Chegada ao andar de cima, abeirou-se uma funcionária que me perguntou, delicadamente e sem me tratar por TU, se precisava de ajuda. Expliquei como pude o que (não) procurava, já que nem eu sabia muito bem o que queria, e a menina fez o que pôde para conseguir o que eu não sabia querer. Muito bem, no primeiro andar não havia nada que me fizesse palpitar o coração e, por isso, desci, novamente, com a "sombra-masculina-solícita" no meu encalço.
Desesperançada, já quase a abandonar a loja, espreitei de relance para a montra e o meu olhar deteve-se numas botas que não me desagradaram de todo. Havia nelas algum potencial. Observei-as os minutos necessários a nutrir-lhes afeição, para depois, gradualmente, este sentimento se transformar em ternura, paixão e, em minutos, lhes sucumbir de amor. Pronto Senhor, vai ser útil, é chegada a sua hora!
"-Por favor, está a ver aquelas botas ali, ao lado das pretas, na segunda fila? Sim essas. Pois pois, também acho bonitas. Sim sim, é verdade, acabei por me decidir... Tem o tamanho X? Sim, pois, é verdade... demoro algum tempo a decidir-me... mas, não se importa, por favor, de verificar se tem? É que estou com um bocadinho de pressa...
Como? Desculpe, não percebi... O quê? O Senhor não trabalha aqui??? Não estou a perceber... o Senhor não trabalha aqui?? Não entendo... Espere lá, aquela senhora ali a experimentar sapatos desde q eu entrei é sua mãe? O quê? Se quero trocar contactos???????
Quero sim! Preciso do seu nome completo, morada e número do BI, para correr até à polícia com as minhas botas novas calçadas e colocá-lo na lista de vigilância!
P.S.-o "episódio sapataria" é verídico. Já a resposta dada só surgiu na minha cabeça, algum tempo depois, tal como o meu péssimo sentido de oportunidade já me habituou. No momento apenas consegui balbuciar "não, vou só levar as botas, obrigada (!)" (em alturas de tensão as minhas sinapses envergonham-me...).