Gosto de ser uma cliente fiel mas, valha-me o Senhor de lá de cima, para que isso aconteça diz-me o bom senso que os estabelecimentos têm que saber fidelizar o cliente. Uma caneta hoje, um calendário amanhã, um pin depois, são tudo coisas que ajudam mas, o que realmente faz diferença é o atendimento, o trato, a malograda conduta.
Há uma farmácia que costumo frequentar - não que seja assídua das farmácias ou hipocondríaca - mas estes lugares hoje em dia tornaram-se um local de peregrinação frequente pela multiplicidade de oferta. Então, amiúde lá estou eu, na que me fica mais perto, com umas prateleiras muito bem organizadas, uma gama de cremes e champôs que dão vontade de padecer de todo o tipo de dermatites seborreicas e um expositor de escovas de dentes para molares que eu jamais imaginava possuir. No entanto, ao balcão está um senhor que, visto eu e o destino termos uma relação amor/ódio, acerta sempre a minha vez - e o qual, julgo eu, ter passado ao lado de uma brilhante carreira de tenor, porque tudo que lhe peço em voz baixa, ele tende a repetir vários décibeis acima do que pode ser considerado razoável. E, sempre num registo grave, com uma expressão muito compenetrada. Deste modo, não há viv'alma naquele estabelecimento e num raio de alguns quilómetros, talvez, que não saiba que eu apanhei sol a mais numa fila de trânsito e estou com o braço esquerdo pior que um bife mal passado; ou que a écharpe que trago glamorosamente enrolada em volta do pescoço, esconde, na verdade, uma terrível alergia ao gel de banho.
Então ponho-me a pensar: quão mais aliviada posso sair daquela farmácia?
Trago comigo a parafernália de cremes e invade-me uma estranha sensação de leveza. Não pelo alívio imediato que as bulas prometem mas, antes, porque durante alguns minutos, mesmo que contra minha vontade, não há nada a esconder. Não preciso representar-me perfeita, imaculadamente (des)alinhada como se exige da mulher de hoje, porque o senhor que está no balcão fez o favor de me retirar esse peso dos ombros e expôs-me como sou – com um escaldão monumental no braço que me roubou preciosos minutos na escolha da roupa que melhor o disfarçasse e uma écharpe sufocante, agora posta de lado, já que toda a fila atrás de mim teve conhecimento do pouco charme de um conjunto de pequeníssimas borbulhas em torno do pescoço, fruto de algum componente menos hipoalergénico do gel de banho promissoramente reafirmante. E, mesmo a cólera momentanea, aquela que senti aquando a “ópera das mazelas”, até essa foi libertadora e sinto-me (agora) muito mais tranquila. De repente, todos os padecimentos superficiais se tornaram secundários e a busca passou a ser por um antídoto para algo, até àquele momento, assintomático.
Então agradeço e faço um largo sorriso, enquanto o "funcinário-barítono" proclama firmemente: "até à próxima".
Em breve, com toda a certeza!
Porque no mundo, quase todos sofremos do mesmo: o ritmo alucinante de uma sociedade de aparência e hetero existência perfeita, no qual as dores da alma nos remetem a um estado moribundo onde cada um faz o que pode para não sucumbir.
No meu caso, opto pela terapêutica convencional e dirijo-me rapidamente à farmácia.
Há uma farmácia que costumo frequentar - não que seja assídua das farmácias ou hipocondríaca - mas estes lugares hoje em dia tornaram-se um local de peregrinação frequente pela multiplicidade de oferta. Então, amiúde lá estou eu, na que me fica mais perto, com umas prateleiras muito bem organizadas, uma gama de cremes e champôs que dão vontade de padecer de todo o tipo de dermatites seborreicas e um expositor de escovas de dentes para molares que eu jamais imaginava possuir. No entanto, ao balcão está um senhor que, visto eu e o destino termos uma relação amor/ódio, acerta sempre a minha vez - e o qual, julgo eu, ter passado ao lado de uma brilhante carreira de tenor, porque tudo que lhe peço em voz baixa, ele tende a repetir vários décibeis acima do que pode ser considerado razoável. E, sempre num registo grave, com uma expressão muito compenetrada. Deste modo, não há viv'alma naquele estabelecimento e num raio de alguns quilómetros, talvez, que não saiba que eu apanhei sol a mais numa fila de trânsito e estou com o braço esquerdo pior que um bife mal passado; ou que a écharpe que trago glamorosamente enrolada em volta do pescoço, esconde, na verdade, uma terrível alergia ao gel de banho.
Então ponho-me a pensar: quão mais aliviada posso sair daquela farmácia?
Trago comigo a parafernália de cremes e invade-me uma estranha sensação de leveza. Não pelo alívio imediato que as bulas prometem mas, antes, porque durante alguns minutos, mesmo que contra minha vontade, não há nada a esconder. Não preciso representar-me perfeita, imaculadamente (des)alinhada como se exige da mulher de hoje, porque o senhor que está no balcão fez o favor de me retirar esse peso dos ombros e expôs-me como sou – com um escaldão monumental no braço que me roubou preciosos minutos na escolha da roupa que melhor o disfarçasse e uma écharpe sufocante, agora posta de lado, já que toda a fila atrás de mim teve conhecimento do pouco charme de um conjunto de pequeníssimas borbulhas em torno do pescoço, fruto de algum componente menos hipoalergénico do gel de banho promissoramente reafirmante. E, mesmo a cólera momentanea, aquela que senti aquando a “ópera das mazelas”, até essa foi libertadora e sinto-me (agora) muito mais tranquila. De repente, todos os padecimentos superficiais se tornaram secundários e a busca passou a ser por um antídoto para algo, até àquele momento, assintomático.
Então agradeço e faço um largo sorriso, enquanto o "funcinário-barítono" proclama firmemente: "até à próxima".
Em breve, com toda a certeza!
Porque no mundo, quase todos sofremos do mesmo: o ritmo alucinante de uma sociedade de aparência e hetero existência perfeita, no qual as dores da alma nos remetem a um estado moribundo onde cada um faz o que pode para não sucumbir.
No meu caso, opto pela terapêutica convencional e dirijo-me rapidamente à farmácia.