sexta-feira, 27 de novembro de 2009

#Aditamento Ao Post Anterior

Cada um (per)segue a fé em que (des)acredita, cabendo aos demais respeitar. Não posso, no entanto, concordar com depreciações gratuitas. Sejam estas acerca de crenças religiosas, políticas ou sociais.
Para mais porque, se atentarmos à História de Portugal, percebemos ter sido com o apoio da Igreja Católica, por intermédio dos cruzados e do reconhecimento do Papa, que se conquistaram terras aos mouros, o que permitiu não apenas fundar como, posteriormente, alargar o nosso “condadozinho”. Só por esta tradição inegavelmente cristã, já se lhe deve respeito.
E o Senhor Saramago, culto que é, sabe-o bem. Assim como sabe do ilustre estatuto que goza, podendo então, dispensar-se de prelecções em jeito de afobada afirmação adolescente. Existem outras formas mais adequadas de causar polémica e, consequentemente, suscitar curiosidade sobre o seu livro, o qual, não duvido, estar dotado de qualidade superior.

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

#Expatriados

Há fenómenos muito curiosos. Eu não percebo, palavra de honra, a necessidade de alguns nacionais em ofuscar aquilo que também lhes pertence. No entanto, o que me ultrapassa completamente, é a vassalagem que o resto da população presta aos que nos ignoram, os quais, por diversas vezes, falam acerca do país em discurso condescendente, do género: “Pois, mas é verdade, nasci e cresci em Portugal, mas, tive a sorte desta oportunidade. De todo o modo, tenho muito carinho por aquele rectangulozinho”. Pois claro que tem, foi à custa dos papalvos do rectangulozinho que a “estrela” começou o seu percurso de ascenção. Ainda assim, mal se apanha em constelações internacionais, aí vai disto, “tem muito carinho”. Visitam-no até, de vez em quando, porque (e já ouvi coisas deste género): “Tenho muitas saudades dos costumes simples, do modo de vida humilde, ligeiramente rural, mesmo que nas cidades.” E os autóctones, os trogloditas da terrinha à beira mar plantada, quase vão às lágrimas, porque, imagine-se lá, um filho da terra, conta de onde vem e, pasme-se, fala do país que o fez com ternura!
É quase uma regra: quanto mais o astro se afastar da galáxia nacional, mais o povinho o eleva no firmamento. É um fenómeno formidável! Uma aurora boreal adulatória!
Vem o Cristiano Ronaldo e, ai que aflição, necessitamos desesperadamente da sua prestação meteórica na Selecção! Isto, realmente, é melhor ele não ser avaliado pela nossa medíocre medicina, porque, a bem da verdade, de vez em quando, o gaiato não só ostenta o escudo ao peito, como corre durante alguns minutos da partida, para depois trocar de chuteiras no banco, com grande plano sobre o logotipo da marca patrocinadora. Que menino de ouro - literalmente. Estendam-se os tapetes vermelhos e apele-se não só à ajuda dos céus, como às entidades espirituais paralelas! Tratando-se de tão distinta personalidade, não há lugar para clubismos nem guerras de claques, tampouco raças ou credos, há pacóvios unidos para o benefício dessa concreta personalidade superior.
E, por falar em credos, ocorre-me outro – o nosso mui nobre Prémio Nobel da Literatura! Aquele, cuja passagem pela atmosfera nacional, tem características de cometa – uma pequena fracção de tempo, de muitos em muitos anos - ou seja, praticamente não põe os digníssimos membros cá no burgo; a não ser, se para ver hordas de compatriotas de mãos erguidas, em genuflexão, implorar-lhe em nome da bondade divina, que não renuncie à nacionalidade. E o Senhor, profundamente sensibilizado com a subserviência nacional, reconsidera, ficando-se apenas por achincalhar a fé religiosa da maioria da populaça. Que é como quem diz: “Oh papalvos, só vocês que vivem no rectangulozinho e cujo entendimento se limita à linha do horizonte, são desprovidos de clarividência a ponto de não perceberem que, a Bíblia, é um autêntico buraco negro. Um vazio celestial!” Sorte a nossa, julgo eu, existirem pessoas destas, que habitam outros sistemas solares do conhecimento e, generosamente, nos iluminam o intelecto.
Sabe, Excelentíssimo Prémio Nobel da Literatura, confesso-lhe a minha infinita ignorância - a qual, percebo, de dimensão intergaláctica – porque, sempre pensei que os episódios da Bíblia, não eram mais que “metáforas”, as tais das comparações sem “como”. Mas, de prosa percebe o Senhor, eu sou apenas uma portuguesa ensinada nalguma fosca instituição de ensino da ilustre Pátria que nos é comum.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

#Auspiciosa Derrota



Everything is new....

#Vida E Velas

Ontem foi o teu aniversário. E, apesar de agora, o primeiro beijinho depois de soprar as velas, pertencer ao teu marido, a nossa família continua igual.
Quando eras criança tinhas dois bolos. O que a Avó te fazia, e o que a Mãe comprava. Normalmente, um deles era para eu apagar as velas depois de ti, porque sou a mais nova e, então, pelo facto de teres tido o descaramento de nascer uns anos antes, sentia-me muito injustiçada. O mínimo que se esperava, como é óbvio, era que dividisses comigo o protagonismo familiar do teu dia de anos. Obrigações de irmã mais velha...
Agora que já consigo conviver pacificamente com a questão cronológica faternal, agora que continuamos irmãs e, dizem, sermos duas adultas, permanece tudo igual. Tiveste na mesma dois bolos. O que eu te fiz - em jeito de arrependimento pelos anos de apropriação pasteleira - e um outro que a Mãe te comprou, descrente nos meus dotes de pastelaria.
Há coisas que nunca mudam. Nem devem porque carregam uma reconfortante repetição. Os anos passam, e tu continuas a ter dois bolos.
PARABÉNS MANA!
Somos as duas adultas, agora, e o primeiro beijinho depois dos parabéns é, merecidamente, do teu marido. Mas, naquele momento em que só tu percebeste o meu sarcasmo e que rimos só nós as duas, alheadas do resto da mesa intrigada, naqueles minutos que nos faltava o ar e o nosso olhar era de cúmplice entendimento, eu percebi que ontem fomos crianças, hoje somos adultas e amanhã seremos velhinhas, mas os nossos estados de espírito serão uma constante correspondência eterna.
Só por isso, quando eu tiver um marido, dou-lhe o segundo beijinho. O primeiro, esse, será sempre teu.

terça-feira, 24 de novembro de 2009

#Assim Devemos Morrer


"Era tão premente a paixão restaurada que em mais de uma ocasião eles olharam-se nos olhos quando se dispunham a comer e, sem se dizerem nada, taparam os pratos e foram morrer de fome e de amor no quarto."

in Cem Anos de Solidão, Gabriel García Márquez

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

#Noite Pontuada

Já ouvi várias histórias acerca de noites promissoras que acabam mal, ou que terminam antes mesmo de iniciarem. Normalmente, a culpa é toda do álcool, que não só toldou a capacidade de discernimento, como vendou qualquer reflexo motor... no limite, cobriu com o manto da semi-inconsciência, o qual só será levantado na manhã seguinte, pelo despontar de uma pungente dor de cabeça.
Presenciei muitas situações, em que noites de fim-de-semana, que se tornaram fatídicas para relações amorosas, para relações de amizade, para relacionamentos paternais e profissinais... uma verdadeira ralação.
Mas, quando está em causa a minha esfera de actuação, a palavra desventura ganha nova dimensão, porque se falamos de tragédia, levante-se o pano e faça-se merecida ovação, já que esse é o meu melhor personagem.
E, para que ninguém duvide de como sou boa em desgraças, conto o que aconteceu numa noite em que tudo que desejava era sair e divertir-me com amigos. Nada de excessos, nada de grandes expectativas, nada de festas lotadas. Passar um bom bocado. Só isto.

Numa sexta-feira ao final da tarde, encontrava-me em casa num estado semi-dormente quando a minha irmã me ligou e me convenceu a sair. Não precisaria ausentar-me até chegar a hora combinada, tinha por isso muito tempo para os preparativos e, portanto tudo muito bem, tudo certo e a correr de feição. E, por isso mesmo, pelo “tudo tranquilo”, eu deveria ter achado estranho. Às vezes parece que não me conheço... que imprudência a minha! Agora que penso... como é que pude fiar-me na possibilidade de acabar uma semana (anormalmente) sem fatalidades, assim, de uma maneira comum, a beber um copo com amigos
Estava ainda recostada no sofá, possivelmente a ver algum filme de baixo orçamento – tenho uma quedazinha para tudo que é lixo televisivo - quando olhei para o relógio e reparei que se fazia tarde; resolvi, então, preparar um jantar rápido. Dirigi-me à dispensa, passei os olhos pelas latas alinhadas mediante número de calorias - eu arrumo os produtos alimentares por ordem crescente do valor energético; ou seja, quando estou deprimida vou directamente às últimas filas. Não importa se pego numa embalagem de massa crua ou de bolachas, porque sei que aquilo que se encontra no final das filas ordenadas, terá que ser, necessarimente, hipercalório e, portanto, o desejável em situações de baixa seretonina.
Peguei numa das latas  e comecei a fazer o arroz. Entretanto, fui escolher a roupa, tomei banho e, ainda de roupão vestido, coloquei o meu individual na mesa da cozinha. Estava tudo a desenrolar-se numa incomum normalidade. Tive até o cuidado de esperar vestir-me após jantar, porque, de outro modo, acabaria com uma almôndega de soja aconchegada no colo ou no decote. É sempre assim.
Mas, quando estava a abrir a lata, o destino tratou de não perder a ocasião 
 com o dia a terminar podia não surgir outra oportunidade que resultasse de modo tão catastrófico – e, então, a mão escorregou-me um centímetro e a lata saltou. Quando percebi, jorrava continuamente algo parecido com o molho de tomate das almôndegas.
Confesso que já quase nem me incomodo com estas surpresas. No fundo pressentia que naquela sexta tranquila aconteceria alguma coisa, mas, convenhamos, longe de imaginar que o meu dia acabaria com um episódio de urgência.
Enquanto mantinha a mão debaixo de água corrente senti um frémito de revolta e pensei: “Alto lá! Atenção! Isto não é assim! Não se chega aqui, arruina-se não só a minha noite como, possivelmente, todo o meu fim-de-semana por causa de um jantar pré-pronto. É que não falamos de me magoar enquanto fatiava uma trufa italiana, não!, este meu desastre era totalmente desprovido de qualquer elegância e sofisticação.
Surgiu-me, então, a ideia de ligar a um amigo que usou muitos fins-de-semana para estudar e é, portanto, médico. Estava decidida a contrariar o meu fado, pelo menos em parte. Mas, repare-se até que ponto a vida de alguém destinado a peculiaridades pouco agradáveis pode ser cruelmente curiosa. O meu amigo, que raramente se permite a mais de 24horas longe do hospital, tinha, naquela fatídica sexta-feira, resolvido viajar até casa dos pais, fora da cidade, com intenção de passar o fim-de-semana.
Mas, eu não ia desistir. Normalmente, aceito resignada este tipo de penas quotidianas mas, desta vez, estava determinada a, no mínimo, não ir parar às urgências. E como sou uma mulher decidida, acho muito injusto que a entidade responsável pelos meus acontecimentos rotineiros me faça passar por constantes provações. Que me tenha arruinado a noite, muito bem, até acho razoável, não fosse eu habituar-me a dias normais. Que um certo instinto sádico tenha levado a alargar o meu infortúnio para sábado e domingo, aceito, porque não gosto de meios termos - se é para ser desafortunada, então que o seja de forma majestosa – mas terminar no atendimento do hospital, isso não ia permitir!
Determinada, enrolei a mão numa toalha, tirei o carro da garagem e conduzi durante 100 quilómetros, qual guerreio ferido empenhado em lutar até à morte.
Visto que não furei um pneu no caminho, não fiquei sem combustível e nem me esvaí em sangue, sequer desmaiei ao vê-lo, a coisa tinha que se complicar de outra maneira.
Todos temos 5 dedos na mão. Eu tenho também (a mãe natureza foi muito agradável, não me subtraiu nenhum membro)
 mas, no campo das improbabilidades, dos 5 dedos da mão podia ter esventrado qualquer um. Mas, falamos de mim. Falamos, portanto, da personificação do azar e, como tal, a mazela localizava-se no único dos 5 dedos onde podia ser mais incómoda – o polegar oponível. Sim, aquele dedo cujo movimento nos distingue dos primatas e, por isso mesmo, pela sua posição oposta aos outros, seria o menos provável de ferir quando se agarra numa lata. O dedinho, cuja complexa movimentação, nos faz sentir seres vivos tão evoluídos e aperfeiçoados e que, visto ser o meu, exigia pontos a sério, daqueles com linha e agulha.

“- Não percebo porque te vais submeter a isto sem anestesia... vou contigo ao hospital, anda lá, é num instante!”
- Aqui! Com uma agulha de tricôt se for preciso!
- Está bem. Vou buscar também um vinho, para depois brindarmos à tua coragem.”

Devo dizer  que foi realmente doloroso e que eu fui  inesperadamente corajosa, porque não me permiti a um único queixume - talvez possa atribuir alguma parte desse mérito ao vinho. Foram 5 dolorosos pontos, um por cada dedo que podia ter magoado, se não tivesse ficado tudo para o polegarzinho...
No entanto, importa realçar que valeu a pena contrariar o destino - não pretendo fazê-lo muitas mais vezes porque ele pode aborrecer-se com esta novidade de eu querer controlar a minha vida. Mas, terminei o dia com o plano inicial, a beber um copo em boa companhia. E mais! Como fui previdente e estava de roupão aquando a tragédia, mantive a roupa imaculada, como se pronta para uma festa.
No fundo, foi bastante simpático este desfecho. Obrigada destino! Só não escrevi um cartão de agradecimento porque, azar dos azares, a mão lesionada foi a direita!

  (imagem "furtada" em  http://brainestruming.blogspot.com/)

domingo, 22 de novembro de 2009

#Carta Ao Pai Natal

Querido Pai Natal,

agora que já sou crescida, não corro o risco de me cansar de um jogo e desejar outro no ano seguinte. Também já não estrago bonecos nem os deixo preteridos quando encontro algum mais bonito. E sei que não cresço mais, portanto mantenho-me constante no tamanho do sentimento, não há possibilidade de achar que já não me serve.
Proponho, assim, que me deixes  na chaminé alguma coisa a longo prazo, de carácter emocional, entendes? Presentes com embrulho vistoso podem ser ilusórios e, por isso, preferia uma agradável surpresa de conteúdo.

Se já não tiveres tempo e a minha carta chegar tarde, peço, então, um beijinho debaixo de azevinho, pode ser?

sábado, 21 de novembro de 2009

#Some Issues-II

Durante algum tempo, a minha rua foi o meu pequeno éden. Acordava, todos os domingos de manhã e pensava: que delícia! Confeitaria óptima aqui ao lado aberta até às 20, supermercado aberto até ao meio dia ao lado da confeitaria, agricultura biológica até às 11 a 100 metros, quiosque em frente até às 15, que posso mais ambicionar para um preguiçoso domingo? Mas, a minha felicidade foi curta... o mundo é injusto, já se sabe, e aceitamos aquilo que nos reserva o destino. No entanto, o que conto, nada tem a ver com desígnios ocasionais, sequer divinos! Isto anda aqui mão do homem, do empresário ganancioso, daquele que é ávido por lucros!
Vou tornar mais claro. O Senhor-distinto desapareceu. Nunca mais o vi. Inicialmente, o quiosque não vendia cromos. Há uma relação nestes factos? Há! Claramente! A empresa de cromos manda as suas equipas de marketing para o terreno, juntamente com sociólogos. Quando pensaram disponibilizar os seus produtos no quiosque da minha rua, primeiramente, mandaram essa gente observar os moradores durante tempo considerável - agora entendo o homem com quem me cruzava diariamente na porta do supermercado, era um deles com toda a certeza! Posteriormente, essas pessoas elaboram relatórios precisos, de modo a descreverem detalhadamente o “público alvo”. Claro, eu sou, sem sombra de dúvida, um alvo fácil, tenho os tais “problemas de autoridade” e eles, experimentados nestas coisas, perceberam isso de imediato! A tal ponto de também se terem dado conta da condicionante idade. A intimidar-me, teriam que o fazer através de alguém uns largos anos mais velho que eu. E o Senhor-distinto era, imagino-lhe uns 60. Em suma, tudo isto não passou, afinal, de uma artimanha para incrementar as vendas! E, dê-se o devido valor a esses cérebros astutos, porque para minha desgraça, resultou em pleno!
E agora? Já não há mais minutos disponíveis a caminhos alternativos
 nas minhas 24 horas! E eu preciso tanto desses atalhos para me desviar de precalços decorrentes do meu “problemazinho”. O que devo fazer? Como posso precaver-me? E se a Sonae resolve aplicar igual estratégia? Nem quero pensar na loucura que se tornará a minha vida..., a qual, até ver, tenho conseguido manter num equilíbrio periclitante. Não quero pensar nas consequências desastrosas que o Tio Belmiro me pode provocar se puser em prática essa perniciosa estratégia de marketing.
E pensar que a minha rua foi, em tempos, a única zona de segurança... já não estamos seguros em lugar nenhum, é o que é! As multinacionais não têm qualquer consideração pela tranquilidade residencial! Invadem o nosso quarteirão sem nenhum escrúpulo. O que importa é desenvolver as vendas! Não há respeito pelo consumidor, essa é que é essa!
Neste momento, rendi-me. Não há nada que possa fazer. Caí na armadilha dos objectivos empresariais... sou um pontinho colorido num gráfico de rendimentos. Resta-me, talvez, adquirir a caderneta da “Kitty” e pensar num nome para a sobrinha fictícia
 porque, eu sei, tenho a certeza, em breve a Senhora-simpática, dirá: Vai levar os cromozinhos para a sobrinha, não é? E qual é o nome dela, como se chama a menina?





sexta-feira, 20 de novembro de 2009

#Some Issues-I

Sou uma pessoa que convive com algumas questões irresolutas. A bem da verdade, são medos; daqueles que nos consomem muito tempo de estratégias para lhes sobreviver. E, reparem, não falo da epidemia receosa do seculo 21: medo de compromisso. E nem da fantasia infantil: medo do escuro. Sequer falo do medo feminino de alguns seres vivos rastejantes. Para essas situações, podemos pôr em prática pequenos truques que não alteram em nada o decorrer normal do dia. No meu caso, refiro-me a um verdadeiro “problema de autoridade”. Passo a explicar. Sempre que me cruzo com a empregada de manhã, e enquanto engulo o café, elaboro, rapidamente, uma desculpa razoável para a quantidade de pratos sujos no lava-loiça. E quando digo razoável, estou a ser optimista, porque a minha necessidade de justificar é tanta que me dou conta de dizer coisas como: quem diria que, ontem à noite, iam bater à porta uns amigos de amigos que estavam de passagem por cá e, há coisas..., não é que o carro avariou e não havia forma de pegar? Por sorte conseguiram o meu número, e lá fui ajudá-los... enfim, é muito aborrecido uma coisa destas... acabei por convidá-los a vir aqui comer alguma coisa, estiveram imenso tempo à espera do reboque. Tudo mentira. Pura e simplesmente, no dia anterior, sujei sozinha mais loiça do que o habitual.
Mas porque motivo me sinto obrigada a dar explicações?! Podia ter o serviço de jantar completo espalhado pelo chão, com sobras de uma refeição de há 3 dias e, ainda assim, não havia razão para me desculpar. Esse é o trabalho da senhora, é para isso que lhe pago. E ela não se queixa, não mesmo. Sou eu! A culpa é toda minha! Vá-se lá saber porquê, sinto esta necessidade. Quando me apercebo, já estou lançada em mais uma fábula quotidiana. A mesma coisa ocorre quando há cinzas em cima da mesa: homens são mesmo... ai ai... um amigo recebeu uma proposta de trabalho fora do país, anda indeciso, e apareceu aqui para conversar. Eu até já estava deitada, mas que havia de fazer? Anda hesitante, não sabe... farta-se de fumar e ficou isso cheio de cinza. Nem reparei que a mesa tinha ficado assim.
Acontece, também, quando levo o carro ao mecânico. Todos os riscos e mossas, contam uma fatalidade. E no parque onde costumo estacionar? Há um, apenas um segurança, que me faz rondar o estacionamento por tempo indeterminado, até ter a certeza de que posso tirar ou pôr o meu carro sem que ele esteja por perto. Sinto-lhe o olhar reprovador a queimar na minha pintura “negro metalizado” de cada vez que dou mais uma volta ao volante.
Dá-se de modo idêntico no supermercado, quando a senhora do caixa me diz: “-Tem a certeza que não vai aproveitar a promoção?” Pois... realmente, mas... esta fila toda, e depois voltava para o final... “-Mas olhe que a promoção vale a pena...” Pois, pois vale, mas estou com tanta pressa, e agora que já chegou a minha vez de pagar, não me dá muito jeito voltar ao fim da fila. “-A senhora é que sabe... eu nem podia dizer-lhe isto... mas, se for buscar mais uma para lhe darmos a 3ª e quiser trazer ainda outras duas, eu fecho os olhos e leva 2 de oferta”. E eu, eu que estou atrasadíssima, eu que preciso é de poupar precioso tempo, devia limitar-me a responder: "agradeço muito, pena estar realmente com pressa." - mas, porque padeço deste “problema”, resolvo dizer: Ah, muito obrigada! Então vou lá sim. E, logo a seguir, começo a pensar: vou e depois ocupo o último lugar desta fila quilométrica. Porque, sabe, o seu caixa é o que tem a maior quantidade de pessoas, imagino que o motivo seja chamar-se “caixa expresso até 15 unidades”, isto é, existe para quem, expressamente, não pode perder tempo, e selecciona 15 intens indispensáveis da lista, porque tem de se despachar! Mas eu, eu não, eu, apesar de ser uma destas pessoas, vou buscar a sei lá que prateleira, não sei quantas embalagens de não sei o quê, por causa de uma promoção, a qual nem percebi bem, porque estou a fazer as compras a correr, no intervalo destinado ao almoço.
E pronto, é isto, convivo assim com este “problema de autoridade”. Mas não com toda a gente; só me acontece quando a outra parte tem, pelo menos, mais 20 anos que eu. Portanto, posso afirmar tratar-se, no fundo, de um “problema de autoridade” com pessoas mais velhas, o que, para muitos psicólogos, espelharia traumas de infância com os progenitores. Asseguro, eu era uma criança feliz; nunca fui espancada, não fui submetida a trabalhos forçados, os meus pais não são divorciados e, por isso, não vivi com madrastas ou padrastos déspotas. No colégio era boa aluna, até com certa tendência a liderar, e nunca fui escravizada pelos “grandes” no recreio. No entanto, neste tipo de situações, sinto-me com 6 anos, de uniforme escolar e pernas trémulas, em cima do estrado da sala, sob o olhar inquisitivo da Irmã Adélia que me atirava a tabuada salteada e aguardava respostas certeiras.
Bem, aos poucos fui aprendendo a contornar estes imprevistos e desenvolvi técnicas eficazes para conseguir encaixá-los na minha rotina. Baseio-me, essencialmente, na “arte da fuga”. Calma, não desato a correr pelo supermercado, pela cozinha de casa, ou pela oficina de automóveis, qual maratonista, porque, apesar de nesses momentos me sentir com idade escolar, tenho..., bem, tenho alguns anos mais, sou uma pessoa adulta, e não me parece muito adequado debandar de estabelecimentos públicos a considerável velocidade. Se já o considerei? Sim, sim. Há até a possibilidade de um ou outro comportamento próximo - igualmente embaraçoso, no mínimo; em consequência, tive de alargar o meu raio comercial um quarteirão e, mais tarde, acrescentei outros bons metros, e... se assim continuasse, rapidamente precisaria de um dia de folga para comprar arroz, ou, sei lá, um fim de semana para a a lista de compras completa. É por isso que chamo às minhas fugas uma arte. Correr é erro de iniciante nestas andanças; com o tempo percebi que, com paciência e empenho, podemos escapar de forma mais sublime. Habitualmente, uso o telemóvel. Faço ou recebo intermináveis e importantíssimas chamadas – atenção aqui, este truque necessita do telefone em silêncio! Não é nada conveniente tocar enquanto encenamos tão premente conversa. Outras vezes, pego na agenda e empunho a caneta, tal qual uma espada que mantém o inimigo afastado, e então escrevinho o que me vem à cabeça; faço bonequinhos com os cabelos em pé, florzinhas, estrelinhas, assino 10 vezes o meu nome completo... mas sempre, sempre, com uma expressão facial de compenetração do tipo, “génio em processo de criação, não ousem perturbar, termino agora a fórmula da vida eterna”- outra vez, atenção aqui. Colocar o papel num ângulo de aproximadamente 45 graus com o tronco, para não haver possibilidade de espreitarem o nosso segredo. E, assim, deste modo, vou sobrevivendo ao meu pequeno drama pessoal.
Há uns tempos, abriu na minha rua um quiosque. Exultei de felicidade. O jornal, revistas, pastilhas elásticas, cigarros, canetas coloridas, cartõezinhos de parabéns que nunca enviamos, bloquinhos que não servem para nada, tudo aqui, a escassos metros do meu sofá! Mais, aberto ao domingo até às 15horas! No momento em que o vi, esta rua tornou-se o paraíso! O lugar perfeito para se viver. A minha casa pode, alguma vezes, estar longe da decoração quimérica, mas a rua, a rua tem tudo que eu pediria ao génio da lâmpada!
Há umas semanas, ia a entrar no quiosque de sonho, quando reparei num senhor de meia idade na porta, com um ar distinto, muito distinto, que me lançou um olhar estranho. Entrei e, enquanto escolhia revistas, notei que o tal senhor me perscrutava com o olhar. Senti um ligeiro embaraço, mas nada grave. Pensei imediatamente em valer-me do truque “chamada crucial”, mas... remexi a bolsa durante longos minutos, remexi de novo, enfiei a cabeça lá dentro e... nada de telemóvel... tinha ficado em casa. Dirigi-me depressa ao balcão, paguei e vim para casa.
Alguns dias depois, regressei a esse bocadinho de céu da minha rua e, novamente, o velho insigne na porta. Entrei, escolhi as revistas rapidamente, nada do Senhor-distinto, tudo perfeito. Eis senão quando, encaminhava-me para pagar, e... ele estava lá! No lugar da Senhora-simpática de sempre, estava o Senhor-distinto. Fiquei muitíssimo atrapalhada porque, enquanto esperava, ele demorava-se a digitar os preços na máquina, e lançava-me olhares que, juro, não eram lascivos, eram só olhares, palavra de honra, o suficiente para me fazer sentir no estrado do colégio, a ser inquirida da tabuada salteada. Pegava numa revista, olhava-me, premia os botões devagar; depois pegava noutra revista e fazia o mesmo ritual. Eu senti-me tão avaliada que tive vontade de dizer: "Senhor -de- meia- idade-e -aspecto- distinto, eu sou culta como o Senhor parece ser! Juro! Repare, compro o jornal! E levo a Time, adoro ler a Time! Pergunte à Senhora-simpática que costuma estar aqui. A Time e a Visão, sempre! Vê, sou culta!" No lugar disso, visto que tinha saído de casa só para ir ao quiosque e sabia não ter telemóvel nem agenda, peguei na primeira coisa que vi, uns cromos da “Hello Kitty” que estavam em cima do balcão. Li, atentatentamente, todo o explicativo acerca da colecção da “gatinha mais famosa” na parte de trás da embalagem. Quando reparei, o Senhor-distinto já tinha a conta pronta e observava-me, mas, desta vez, com olhar de: ”vai levar também isso?” Então, disparei: ”Levo estes cromos também”. Ele juntou ao total e lá vim eu para casa, na companhia do raio da gata.
Dois dias depois, passou-se exactamente o mesmo, embora estivesse também no balcão, a Senhora-simpática de sempre, o que me levou a  ficar ainda mais atrapalhada pela possibilidade dela perceber 
que o Senhor-distinto me intimidava. Pronto, peguei outra vez nos cromos da “Hello Kitty”, li tudo o que estava na parte posterior da embalagem e, quando percebi que os cliques da máquina tinham parado, disse: “Sim, sim, vou levar os cromos também”. 
A partir desse dia, perdi qualquer controle... Apesar do Senhor-distinto ter desaparecido, a Senhora-simpática passou a dizer: “E os cromozinhos, vai levar?”
Eu juro, nunca mais peguei neles, só o fiz enquanto o “Distinto” lá esteve, mas, naquele dia, ela viu-mos comprar, e ela é a Senhora-simpática, tão simpática que, da primeira vez que lá voltei - após presenciar o episódio cromos com o “Distinto” – visto não ter feito menção de lhes pegar, ela disse: “Vai levar os cromozinhos? Há um cliente, vem sempre cá comprar para a filha, que, imagine, tem mais de 40 anos! Parece que ela sempre gostou muito da “Kitty”. Por isso, não se preocupe, a senhora é bem mais nova, e olhe, cada um gosta do que gosta.” Perante isto, o que havia de fazer? “Pois, na verdade, nem são para mim, são para a minha sobrinha, que tem 5 anos e adora “a Kitty”. Céus! Eu não tenho sobrinhos! Inventei um familiar! Isto está a ganhar proporções compulsivas! 

E, agora, sempre que lá vou, a Senhora-simpática diz: "Vai levar os cromozinhos para a sobrinha, não é?" E eu, que não tenho limites, apresso-me a responder: "Sim, sim, vou, claro! Tem que ser! O que ela gosta da “Kitty”!"



          Hope     

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

#Rio Com Amor

Sinto saudades desta cidade. Sinto saudades do tempo que não tivemos para nos amar. Mesmo assim, senti-a maravilhosa. Mais maravilhosa do que diz o samba, mais nostálgica do que canta a bossa, mais ritmada do que passos ensaiados para desfile de carnaval. E sinto-a ainda agora, por tudo e por muito mais do que isso.
Guardo lembranças do que foi, do que não vivemos, do que poderíamos ainda ter vivido.
Fui carioca. Em alguns momentos, tenho certeza, eu fui realmente carioca. Vi o verdadeiro Rio. Senti-o. Não quis apenas o dos quinze dias, cuidadosamente montado para quem vem, gosta e vai, e que fica tão fácil amar como trocar pelo próximo destino de sonho.
Há mais Rio para ver. Há finais de tarde perdidos na rua, junto de pessoas apressadas no regresso a casa, entaladas em autocarros lotados, que lhes apertam a alma e os sonhos. Pessoas que, no embalo torpe de um autocarro velho, se afastam da orla, cingidas aos escassos centímetros de transporte público que, em breve, trocarão pelos igualmente asfixiantes das suas casas. E, para estes, sonhar com o dia em que, (im)provavelmente, morarão perto do mar, é tão irreal quanto cruel. Estão demasiado cansados para sonhos, exaustos de esperança. E, mesmo que por alguns minutos se permitam,  mesmo que o consigam por curto inertvalo de tempo, e o façam ao som de murmúrios e suspiros de outros que também já não ousam sonhar, a banda sonora real ou a cotovelada de quem tenta conquistar o seu espaço no "ônibus", trá-los de imediato à existência nada ideal.
Esta realidade também é Rio de Janeiro. E é igualmente tocante. Vivem naquela que é maravilhosa, na que tem praia e mar, mas que não podem pagar; possivelmente, nunca vão usufrui-la em pleno.
Mesmo assim, o Rio é exuberante; e quando nos afastamos da zona sul, descobrimos que não perde, jamais, o encanto. Há música a cada esquina, respira-se clima tropical que nos enrola numa nuvem de sonhos. A cada metro de calçada há sorrisos e expressões verbais a caírem nos ouvidos com timbre de pandeiro e bandolim. E há o dia de amanhã. E a vontade de acreditar que será melhor. E a minha certeza de que um dia será. Merecem-no.
Tenho saudades do Rio. Tenho saudades tuas. Tenho saudades do que não vivemos, quando, em tempos, essa foi também a minha casa.


quarta-feira, 18 de novembro de 2009

#Neolatinos

Vivi durante um tempo no Brasil. Nessa altura tive noção do quanto somos estrangeiros, mesmo que em território irmão. Embora se possa pensar  que os maiores obstáculos enfrentados tenham sido  saudades, solidão, receios ou, tão somente, pele escaldada a cair em placas, dificuldade para sambar, caipirinha gelada e..., desvelo dos nacionais masculinos  (muito solícitos para interacção, sem dúvida!), devo desenganar, porque o maior entrave na ex-colónia foi, sem dúvida, a língua - refiro-me à linguagem, não se relacione isto com o último ítem que mencionei, por favor.
Estava hoje a arrumar alguns papéis e, entre cartões, talões, recados, bilhetes e recordações, encontrei um quadradinho amarelo escrito na minha letra. Li-o. Contava parte de um  dos meus dias, naqueles primeiros meses em que a localização geográfica me obrigava a viver o abismo de um oceano. Confesso, sinto uma certa nostalgia desse tempo, quando a corrente linguística me tornava náufraga de turbulentas águas internacionais:
Eu: Boa tarde. Por favor, eu queria alterar a minha morada de residência (sorriso simpático)
Senhor dos serviços: A residência da namorada? Ah, tem que ser ela mesmo. Ou você tem que arrumar autorização assinada. É informação confidencial.
Eu: Não, não!  A minha morada! Alterar a que está aí.
Senhor dos serviços: Mas da namorada de quem? Porque não vem ela mesmo aqui?
Eu: O Senhor não está a perceber... mudei de casa recentemente e queria que ficasse no meu registo o sítio onde vivo agora. (2º sorriso simpático/genuíno)
Senhor dos serviços: Ah, você vive num sítio? Que bacanais! Aqui mesmo no Rio?
Eu: Não, não... vivo num apartamento. (1º sorriso simpático/forçado)
Senhor dos serviços: Então quem mudou "prô" sítio? A namorada?
Eu: (sem sorriso simpático, sem sequer tentar forçá-lo)... Por favor, oiça-me com atenção: eu morava num apartamento que fica numa rua. Foi essa a rua que eu escrevi aí no meu registo. Agora eu mudei para outro apartamento, que fica noutra rua. Eu quero é que o Senhor tire da MINHA ficha "Rua Visconde de Pirajá" e ponha "Rua Gomes Carneiro".
Senhor dos serviços: Ahhhhhhhhh, "tendi", você quer mudar seu endereço! "Tá" bom.
Eu: Isso! É isso mesmo! (expressão igual à de Álvares Cabral quando descobriu o Brasil - igualmente penoso)
Senhor dos serviços: Você fala de um jeito engraçado portuguesa! Muito hilário mesmo! Ah Ah Ah
Eu: Pensava falar português... (2º sorriso simpático/forçado)
Senhor dos serviços: Eh... não é bem português, vocês falam um pouquinho diferente. 'Cês' dão uma 'puxadinha' nas palavras.
Eu: Eh, e se vocês 'puxassem' pela cabeça, percebiam que sou eu quem fala português..., porque, imagine-se lá, sou portuguesa! Descendente dos chamados "colonizadores", aqueles que trouxeram o vocabulário para este lado do Atlântico.
Na verdade, esta última deixa foi aquilo que pensei, mas achei por bem não verbalizar. Preferi  ser uma "portuga bacana", ficar pelo " Sim sim, lá é mais frio e comemos bacalhau. Obrigada! Boa tarde!" e, então, forçar um terceiro sorriso.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

#Felicidade À Vez

Há uma inconfidência, tipicamente feminina, que me inquieta pelo modo orgulhoso como é pronunciada.
Ele faz-me uma mulher tão feliz!

Como é que alguém, na posse de todas as faculdades, é capaz de acreditar  que isto seja tradução de plenitude afectiva? Para mim assemelha-se a um favorzinho que o “dito cujo” lhe faz. Mas um favorzinho simpático, que se pratica com agrado, porque, enfim, não custa nada, não é? E ela até é fácil de contentar; então ele, que é bom rapaz, dá-lhe o jeitinho de a fazer feliz. Parece que no lugar de uma imposição do próprio sentimento, é uma capacidade que o homem tem e, como tal, pode querer fazer-lhe uso ou não. Se estiver para aí virado, muito bem, se não estiver, não há cá felicidades para ninguém! Ora essa!
Surpreendo-me, diversas vezes, empenhada em compreender a magia dessa afirmação e, perdoem-me se me restrinjo a um idealismo rigoroso, mas não consigo encontrar-lhe pingo de romantismo. A frase em si soa-me adequada ao final de um dia de trabalho - “Quando chego tarde, ele faz-me uma lasanha tão boa!” O que, admito, poderá ser encarado, até certo ponto, como positiva evolução dos tempos, uma vez que possui, no mínimo, um certo tradicionalismo invertido: antigamente, as donzelas, não deviam ter o dom das panelas? Não era assim que conquistavam o eventual marido, pelo estômago? Mantém-se então a mesma linha, embora, em tempos de emancipação feminina, fica ele nos tachos e ela no escritório até tarde.
Consequentemente, terá que ser feita uma rigorosa divisão de tarefas e afectos:
“-
Amor, este mês fiz-te muito feliz, no próximo és tu, ok?
-Oh querido, não calha nada bem com o meu trabalho... e se fosses tu novamente? Trocamos pela tua vez de aparar a relva
.”
Imagino que escolherem o mesmo mês para se fazerem felizes, possa condenar ao fracasso toda a produção emocional. Pois claro, há que gerir os recursos a fim de maximizar lucros! E, convenhamos, actividade de duas pessoas para o sucesso da mesma relação, seria um desperdício de mão de obra! No fundo, são tudo consequências da crise...
Meus queridos assalariados emocionais, e se no lugar de dividir competências, ousássemos partilhá-las? Não sei..., foi uma ideia que me ocorreu... talvez seja estratégia um tanto antiquada.
O melhor mesmo, é procurar uma empresa de gestão sentimental e pedir-lhe o parecer. Nos negócios do coração, é mais rentável orientação antes, do que depois da falência.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

#Take 30: Acção!

Agrada-me acreditar que me evito a expectativas. Aliás, só o faço porque sou muito boa a criá-las. Dêem-me uma abóbora e um carrinho de linhas e aí vou eu, a trote de magnânime caleche! Frequentemente, deparo-me com uma cabaça, às vezes puxada por algum asno, mas, ainda assim, não desanimo, e lá vou eu de novo, mais veloz que um puro sangue. Não se trata de uma necessidade, mas antes uma condição. Sou assim, gosto de dar contributo ao enredo.
Com base nisto, recuso-me protagonizar arranjinhos encenados, recuso-me sequer a ouvi-los. E, amiúde, justifico-o com o meu argumento adaptado; ainda assim, há amigas com verdadeiro talento de cineasta sentimental e que, só descansam, quando esgotam lotação de insistência.
Há uns dias, em conversa, diz-me uma: "- Há um colega de trabalho do meu marido impecável para ti. E não é divorciado! - piscadela de olho - Hã, e esta? Solteiro na tua faixa etária, já viste? Não me digas que vais desperdiçar uma oportunidade destas?!" E eu pergunto: desperdiçar? Mas desperdiçar o quê? Achava que, para isso acontecer, devia estar sem opção e, no meu circuito alternativo, sozinha não significa cruel imposição do destino. 
Estas senhoras são profissionais e, como tal, têm o guião bem estudado: "- Ele achou-te bonita. Queres que peça ao meu marido para lhe falar bem de ti?" - sorriso cúmplice. Desculpa, o teu marido tem o que falar mal de mim? Ou és só tu que me julgas incapaz de suscitar interesse ao Adónis-solteiro-assalariado? Não que duvide da credibilidade que me me dás, queria só saber o nível de preocupação inspiro. Assim a título de curiosidade e para poder calibrar a minha autoestima.

Ora bem, se tivéssemos ficado por aqui era mau, embora não terrível, mas há segunda parte: "-Sabes que... (erguer de sobrancelha)... chega uma altura que devemos fechar os olhos a alguns pormenores... porque....(2º erguer de sobrancelha), porque... o tempo vai passando e..." 
E... corro risco de ficar solteira? Isso é uma doença? Tem cura?  Falam como se fossemos doentes da peste! Cuidado, podes contrair solteirice! Minhas senhoras, tenham calma, a ser padecimento, não é contagioso!
Mas calma, diálogos deste género primam por se tornarem realmente insanos, porque não são se tratam de falas  pontuais e, para deleite de quem assiste, a sessão continua... "-Repara, eu ainda só falei disto a ti!" Devo, portanto, ficar muito agradecida?! Talvez deva também implorar: por favor, não fales do Adónis-solteiro-assalariado a mais ninguém! Vou tentar conquistá-lo antes que outra descubra! "-Podes confiar, garanto-te que é solteiro mas normal! Só ainda não encontrou quem lhe agrade, percebes?" - olhos arregalados - É solteiro mas normal?! Existe algum estudo que desconheça, acerca de se perderem faculdades, em consequência da terrível enfermidade "solteira/o aos 30"? E, de enfiada, atira-me com: 'ainda não encontrou quem lhe agrade'. Mas até que ponto é razoável esforçar-me para ser a 'sortuda'? Aliás, porque é que a solteirice dele é mais respeitável e menos preocupante do que a minha? 
Por momentos, quase me perdi no enredo, visto que, enquanto a conversa  fluía-  em ritmo de  banda sonora deprimente - ensaiava já a minha última fala: haverá mulher, tão desprovida de autoestima, ao ponto de aceitar esta 'oportunidade'?!
Inesperadamente , sou cortada por uma vozinha tímida, audível pela ênfase do momento: "-Se pões tantos defeitos é porque não estás interessada! Posso tentar eu?"
Para este filme só há um título: "Humilhação suprema da mulher solteira" (e não lhe prevejo happy end...)

terça-feira, 10 de novembro de 2009

#Not My Size

"-Fora de questão.
-Porquê? Isso é tão infantil!
-Como quiseres, mas está fora de hipótese."


Foi assim a minha conversa de hoje ao telefone. Ela tentava convencer-me a sair com um tipo que, embora somasse agradável número de qualidades, estava subtraído em centímetros de altura e, apoiada nessa escala que admito "redutora", tracei-lhe uma recta de exclusão.
Mesmo que este  motivo soe fútil e pareça  imposição adolescente - nada recomendável a fases "maduras"- ocorre exactamente o contrário. Os anos permitiram-me uma praticidade sensata e exigem-me romantismo a longo prazo, o que me faz inflexível quanto à dimensão dos candidatos.
Para concretizar a hipótese de sair com o "tipo baixo", teria de correr, imediatamente, a uma sapataria adquirir "tábuas de pés" e, consequentemente, talas para a autoestima, porque uns "rasos" arrasam qualquer tentativa de elegância. Na possibilidade de se tornar relacionamento assumido, implicaria até a renovação do meu espólio de pequenas maravilhas da indústria do calçado, visto que, à excepção dos chinelos de praia, todo o resto me coloca um bom palmo acima do solo. Minha gente, assentemos ambos os pés na terra, estamos em pleno de uma crise económica, haverá altura menos própria para um investimento desse tamanho?
Ponho-me então a pensar... e no caso dele ser infiel? Digam-me se é possível espezinhar uma traição e ultrapassá-la com dignidade, munida de desenxabidas sabrinas?! A imagem mental da mulher enganada, bem calçada de amor próprio é, indubitavelmente, alguém equilibrado em pelo menos 20 centímetros; em momento algum, seja lá o que a senhora tenha vestido ou despido, conseguimos imaginá-la apoiada numa sola em total contacto com o chão! Até as capas dos livros de auto-ajuda estampam um salto agulha a perfurar o coração masculino! É inequívoco, os saltos são determinantes antes e durante, mas, essencialmente, pós relação.
E, mais, se me relacionar com o "tipo baixo", serei pessoa que, para não fazer "par desarmonioso", compra sapatinhos muito confortáveis, tipo pantufas... Ora! Ninguém quer ir a uma festa de pantufas!
Mas estas seriam apenas consequências imediatas. Há pior!
Agora, vejamos: mesmo ignorando o exposto (embora só me pareça razoável fazê-lo em caso de calamidade afectiva), na remota situação de acontecer, surge imeditamante outro problema: e se me apaixono a sério pelo tipo baixo???? Isto sim, seria grave! E, pressupondo, para cúmulo do infortúnio, o homem revelar-se um verdadeiro príncipe, inevitavelmente, caminharíamos ao altar - eu com sapatos iguais às meninas das alianças, "rasinhos" - para depois perpétuarmos genes em... descendência anã???? Não posso condenar a estatura dos meus filhos! Alguma mãe que se preze coloca no mundo inocentes crianças, diminuídas ao peso da herança genética?
Venham-me, agora, encetar acesas discussões éticas sobre os limites da intervenção genética! Conversa! Audiências! Isto sim, isto é abusivo! Ousar conceber, ainda que, com mapa genético predisposto a patamares só alcançáveis por meio de escadotes!
E, para terminar esta heretariedade de fundamentos, ocorre-me a típica situação do recreio escolar: "O meu pai é maior que o teu! O meu pai bate no teu!" Pois muito bem, o progenitor destas crianças levaria pancada dos outros todos, assim como elas, já que não teriam "pai poste" para ajustar contas. Poderia alguma vez permitir que, nos primeiros contactos com a lei do mais forte, os meus filhos partissem em desvantagem?





segunda-feira, 9 de novembro de 2009

#Fórmula Do In-Sucesso

Por vezes sinto-me completamente fora do meu tempo. Palavra de honra. Não sei se estou realmente fossilizada, ou se apenas parte do meu entendimento se tornou jurássico.  Sei-me uma pessoa rigorosa, talvez até "literal" demais, e tenho sempre à mão um dicionário - daqueles pesados e volumosos, nada de versões online, fáceis e rápidas de consultar. Não senhor. Se é para ser pré-histórica, há que o fazer com rigor e assumi-lo como um verdadeiro modo de vida.
Acontece que, sei também, operarem-se nas  palavras fenómenos evolutivos, alterando-se-lhes o significado, e isso leva-me a manusear com certa frequência os meus 2 quilos de léxico - não posso correr o risco de mumificar a cognição. Mas, ultimamente, há uma palavrinha que me anda a inquietar: ídolo.
Em tempos (na minha era arqueológica), ídolo era aquele que se salientava da multidão, justificado por actos de grandiosidade impossíveis à maioria. Lamentavelmente, penso que o meu manual de vocábulos, possa estar ultrapassado...
Hoje em dia, ídolo é o jovem ousado que se presta a castings humilhantes, numa tentativa de auto-destaque da maioria que, tal como ele, almeja ser fabricada prodígio. Ídolo, no conceito actual, parte do pressuposto de, provavelmente, não se possuir nenhuma capacidade acima da média, àparte inegável vontade de reconhecimento por talento que, em votação final, não pontua.
E, legitimados pela "concretização do sonho", desfilam ousados num decadente espectáculo de divulgação, o qual, no mundo dos comuns mortais resignados a perseverar sem virtude supranormal, constitui exposição sub-humana - apenas possível se dotados de artística habilidade alcoólica - e, cujo resultado, classificariam ao anonimato nacional.
Posto isto, talvez deva anexar ao meu compêndio semântico que, à luz do actual processo de idolatria, as características essenciais para se  constituir "ídolo" são: uma sublime incapacidade auto avaliativa e, consequentemente, uma portentosa aptidão para a humilhação pública.

Será que não há limites para estes sonhadores desvirtuados?

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

#Sem Limite De Caracteres

A linguagem é um instrumento polivalente. E barato. Não pagámos por isso, ou melhor, não pagávamos, porque antigamente era tudo mais verbal e,  ainda que, por vezes, o que ouvíamos  nos fizesse desejar,l um imposto aplicado aos absurdos vociferados por indivíduo - tributação suficiente para sufocar gritantes buracos orçamentais - nenhum governo democrático ousaria tapar a boca dos cidadãos e, então, falava-se muito. Do país e do sistema, da camada de ozono, do cantor com a actriz e da vizinha de cima. Falava-se bem e mal, certo ou errado, mas falava-se. Falar mesmo, com sotaque do norte, do sul ou do centro.
Agora não. Agora há diálogos mudos, discussões de zero décibeis. As conversas sonorizam-se pelo dedilhar de mensagens no telemóvel ou fazem-se ouvir na cadência muda da digitação a computador. Antes não. Antes ficávamos horas a interpretar a entoação das frases, os gestos que as acompanhavam e tudo que poderia estar além do que tinha sido proferido. Era sempre mais real, melhor vivido; mais humano e mais palpável, mais "humanizável".

Hoje interpretam-se silêncios físicos pontuados por palavras inanimadas. Não há pormenores que falham ou se acrescem aquando a milésima vez que contamos, porque foi salvo em memória artificial o registo literal. Guardam-se momentos em ficheiros informáticos e concretizam-se num intervalo do dia, rigorosamente programado em agenda electrónica.
Hoje tomam-se decisões de vida na ponta dos dedos e, quando as recordamos, não há o timbre da voz a ecoar cá dentro; recorremos, apenas, ao que fica gravado no "correio enviado".



terça-feira, 3 de novembro de 2009

#Cromo-Entropia



segunda-feira, 2 de novembro de 2009

#Qual Quero Envelhecer?

Elogios. Esta palavra desperta-nos de imediato uma súbita sensação de bem estar ainda que não saibamos qual, oportunamente, traremos para casa no final do dia. Essa  dúvida não nos provoca angústia, qualquer deles nos vai assentar bem. Equivalente a um stock off de sapatos: gosto de todos, levo os que me servirem!
No entanto, tal como quando contemplamos uma prateleira com muitos pares, para nos satisfazermos euforicamente com uns que não seriam,  de todo, 1ª escolha, também os elogios podem provocar-nos sorriso momentaneo, o qual esmorece à medida que caminhamos; aos poucos, o aparente conforto vai-se tornando ligeiramente doloroso, porque concentramos atenção nos pormenores emergentes, aqueles que sacrificamos à vaidade do regresso a casa sem ego descalço.
Recentemente, agraciaram-me com um oversized Jane Austen e, embora o soubesse mais simpático do que sincero, deixou-me aquele rasgado sorriso crédulo. Pouco tempo depois, classificam-me noutro tipo de ranking, e sou condecorada com uma comparação a Yelena Isinbayeva. Por muito que se justificasse saltar de alegria (sem vara) - trata-se de belíssimo espécime do sexo feminino - o meu rosto ressaltava inquietação...
Qual deles quero (des)acreditar ser? Qual o melhor elogio? Com qual destes sapatos devo sair da loja?
Esta é a mais ingrata (in)decisão: perpetuar-se nas capas e contracapas de clássicos adaptados à sétima arte, ou manifestar-se "artisticamente" como uma "clássica" memória masculina.
Confesso que, se me encontrasse no auge dos 20's escolheria, indubitavelmente, a estante da livraria. Mas a sabedoria que ronda os 30 já me mostrou, peremptoriamente, que mulheres letradas são cada vez menos procuradas. E, convenhamos, actividade desportiva aumenta a esperança média de vida, já uma poeirenta prateleira de onde só sairei pela mão de um crédulo adolescente que, em pleno século XXI, ainda acredita no poder das palavras, só vai aumentar estatísticas de "jovens solteiros" na casa dos 30.

domingo, 1 de novembro de 2009

#Gripe A(mor)

Manhãs de inverno incipiente poderão tornar-se retrato fiel da vida de uma mulher. Iniciam-se no armário de casa, perante a indecisão indumentária com que enfrentar o longo dia e, sublinho longo, porque uma mulher que pretenda sobreviver a todo tipo de intempéries existenciais, já não se preocupa com o factor temperatura. Sentir-se de pés amputados pelo frio torna-se irrelevante se as botas nos propocionarem maravilhosas pernas torneadas e, consequentemente, nos permitam confiança necessária a esmagar corações masculinos e  subir escadas profissionais.
A tarefa de escolher roupa adequada e, repito, não se trata de escolha confortável (isso seria erro equivalente a um tornado), na ambição de estar preparada para conquistar um mundo agreste no qual a sobrevivência se garante pela aparência, perspectiva-se rigorosa em dias de semi-inverno, podendo mesmo esgotar-nos uma boa parte da energia necessária à manutenção da homeostasia. Meios termos são sempre muito ingratos. Semi-inverno climatérico equivale a meia estação sentimental, quando os companheiros aquecem temporariamente as  noites e nos mantêm o coração como um deserto sibérico.
Numa destas manhãs, depois de ultrapassadas todas as batalhas domésticas, e enquanto trauteava daquelas músicas que nos fazem sonhar ao ritmo de clima tropical, o meu carro cedeu aos caprichos sazonais e recusou-se a recomeçar marcha aquando o sinal verde. Debaixo de uma chuvazinha desagradável e de buzinas pouco ou nada agradáveis, empenhei o ímpeto restante das lutas matinais,  numa árida tentativa de movimentação. Por segundos, confesso, ganhou dimensão considerável na minha cabecita ensopada a possibilidade de um indivíduo de gravata, encharcado em charme e after-shave, livre e desimpedido, me bater no vidro para que, juntos, desimpedíssemos a via pública e terminássemos, livremente, a beber café em elevada temperatura. Mas, esta ideia de adolescente que acredita no que só acontece à Julia Roberts, manteve-se inquebrável curto espaço de tempo, e rapidamnte se fez mil pedaços logo que chegou o condutor de reboques, cuja mão praticamente trespassou a minha janela fechada: "-A senhora sabe o que aconteceu? Hmm..não... devia? -Ora devia!? Pois claro! O carro não é seu? Não o conduz todos os dias? Sim.. sim.. -Então devia estar atenta aos sinais que lhe dá!"
Nunca ignorem o mensageiro, porque o senhor do reboque era um sábio. Fez-me perceber, em segundos, como a minha relação com o carro espelhava a minha ex relação amorosa. Como posso perspectivar prosperidade com a outra parte se não lhe compreendo os "sinais"?
Determinada a ficarem por ali as lições de vida do dia, aquando a chamada do mecânico com pergunta idêntica ao condutor de reboques-filósofo, atirei-lhe: "Hmm... penso que o motor gripou". No fundo, estava a manter a linha de raciocínio iniciada momentos antes, enquanto via o meu carro afastar-se na chuva, já que acontece do mesmo modo nos relacionamentos sentimentais: não lhes percebemos a sintomatologia e, quando queremos realizar terapêutica adequada, a enfermidade é tão grave que impede o êxito. Ficamos, assim, com dois historiais clínicos possíveis: resignarmo-nos ao diagnóstico tardio e deixarmos que se expire, ou aplicar-lhe sobredosagem de amor e conviver com a possibilidade de um quadro de reincidência.
Estaremos sequer perto da descoberta de uma vacina, que nos deixe imune às pandemias do coração?